Da varanda observo a vastidão que me rodeia. A norte, um espesso bosque de pinheiros-bravos desenha uma forte mancha verde na encosta da montanha. Local de refúgio para inúmeras espécies selvagens da região, é também paragem usual dos muitos turistas que visitam esta zona. A leste, corre o rio, com as suas águas límpidas e frescas, sempre repleto de peixes. Corre agora muito mais vagarosamente que há uns meses atrás, quando em plena época das chuvas galgou as margens. Vejo também a ponte que sobre ele construíram, marco histórico da época romana, fruto indispensável do progresso, já retratada em muitas histórias. Cinzenta escura, de granito, forte e resistente a qualquer intempérie, parece desafiar o rio cujas margens une. Para a direita, os pomares. Vastos campos de árvores de fruto. Pereiras, macieiras, cerejeiras, nogueiras, amendoeiras cobrem nesta altura do ano o chão com suas delicadas flores que o vento vai ajudando a espalhar. É primavera. Nos verdes campos em redor, há salpicos multicolores de flores silvestres. Ouço o alegre riso das crianças, vindo da parte traseira da casa, trazido pela suave brisa de Abril.
Decido descer. Fechando as janelas da varanda, olho para o meu acolhedor escritório. Os móveis em madeiras exóticas repletos de livros de todos os géneros, que fui recolhendo ao longo das minhas inúmeras viagens pelo estrangeiro e também alguns achados raros, feitos em alfarrabistas que não sabiam das preciosidades que guardavam, cobrem praticamente todo o espaço visível de parede. Num dos lados da divisão, a minha secretária, robusta mas ao mesmo tempo de ar delicado, sentado à qual passei incontáveis horas, a escrever numa velha máquina Remington do tempo da 2ª Guerra Mundial. Essa máquina encontra-se agora posta de parte, numa mesa mais pequena, como uma preciosa peça de museu. Sobre a secretária expõe-se agora, juntamente com as pilhas de papéis, uma parafernália de aparelhos de nova tecnologia: computador portátil, impressora, scanner, fax... exigências dos tempos que correm. No canto oposto, a minha confortável poltrona, onde me costumava acomodar para relaxar um pouco após horas e horas a fio de frenética escrita, e que serve para me sentar e contar as histórias ao meu miúdo mais novo antes de ele se ir deitar. Espalhados pelas estantes dispõem-se alguns dos mais fabulosos exemplares da colecção de conchas marinhas que recolhi quando me desloquei numa fantástica viagem pelos mares do sul. Espécimes raros, outros mais comuns, mas todos tratados com o mesmo esmero de quem limpa o mais frágil dos cristais.
Saindo para o corredor, passo em frente ao quarto. De decoração cuidada, tem uma cama de dossel com colunas em madeira trabalhada, uma extravagante mas requintada prenda de casamento enviada por um tio rico da Áustria, um enorme roupeiro em madeira, e uma cómoda. Na parede, de cor clara, encontram-se apenas um espelho antigo e dois ou três pequenos quadros. Os cortinados entreabertos pelo vento deixam ver uma varanda ainda mais ampla que a do escritório, com uma soberba vista sobre a área circundante à casa.
Desço calmamente a imponente escadaria cujos degraus se encontram cobertos por uma passadeira vermelha escura, que combina na perfeição com a decoração do átrio onde ela termina. ... Ele dá passagem à maioria das divisões inferiores da casa. Dirijo-me à cozinha. É uma ampla cozinha rústica, com uma grande chaminé empedrada e um velho fogão a lenha. Escondidas nos armários, para não quebrar o encanto rural deste espaço, encontram-se algumas das comodidades que existem em qualquer cozinha moderna como máquina de lavar louça e microondas. Espalhados pelas bancadas de granito polido espalham-se diversos tachos, vegetais, peças de caça, entre outros ingredientes das saborosas iguarias que a experimentada cozinheira se apressa a preparar. Sobre o lume crepitante do fogão, entre tachos e panelas mais pequenos, repousa uma grande panela de conteúdo borbulhante e aroma agradável, sinal de que a hora de almoço se aproxima.
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