terça-feira, dezembro 16, 2003

Escravidão

Somos todos escravos de alguém ou de alguma coisa. Quanto mais não seja, somos escravos de nós mesmos... Sujeitamos os nossos desejos, as nossas vontades, enfim, a nossa vida, ao caprichos de outros que, sem se aperceberem, a vão modelando de forma indelével e inconsequente. Somos escravos dos amigos, escravos dos pais, escravos dos colegas de trabalho. E não o podemos deixar de o ser! Quem não ansiava libertar-se deste mundo que tresanda a hipocrisia e cinismo? E eu sei do que falo, pois sei ser cínico e hipócrita qb! Quem sobrevive neste mundo sem isso? Não nos tentemos iludir! Está na natureza humana sermos cí­nicos e hipócritas! Devoramos, como um jovem americano obeso que devora sôfregamente um hamburger do macdonalds, as emoções e os sentimentos dos outros, tornando-os também nossos escravos.
Imaginemos que podiamos estar sozinhos numa qualquer ilha distante, com tudo o que precisamos ao nosso alcance... Continuariamos escravos. Dos outros? Não. Da nossa própria vontade! Temos a escravizante necessidade de sermos escravos de alguém e de que alguém ser nosso escravo. De termos tudo aquilo que queremos e não temos! Da nossa necessidade de partilhar com os outros os factos da nossa vida. Eu sinto-me na merda e preciso de partilhar isso! Mas com quem? Eu vivo nessa ilha de desejos frustrados e ilusões desvanecidas! Sem ninguém para me confortar nesta dor e me atenuar o sofrimento na medida em que necessito... Tenho algumas pessoas a quem posso chamar de verdadeiros amigos, daqueles que eu sei que se precisar desabafar, me vão atender o telemóvel ou levarem-me daqui para estarem comigo, enquanto eu, num chorrilho desenfreado, descorro todas as agruras da minha miserável existência. Pobres escravos! Gente que eu acorrentei a mim para que não fujam! Mas sei que esses momentos são efémeros!
Logo volto à minha solidão!
Os amigos que julgava ter para além destes? Aqueles que quando estão mal nos procuram para desabafarem todas as merdas que lhes aconteceram e nós ficamos ali, com aquela cara de "Oh que coitadinho!", mas a pensar "Foda-se que o gajo ou é parvo ou pensa que eu sou a madre teresa" e que estão sempre à espera que demos mil e um conselhos "Faz isto", "Faz aquilo", "Fizeste merda". Que importa a essas pessoas o que lhes dizemos? Vão acabar por fazer aquilo que lhes vai na tola. Quem lhes dá o direito de julgarem que sequer nos preocupamos com o que se passou? Onde estão eles quando um gajo precisa de alguma coisa? Andam todos muito ocupados!
Eu não quero ficar sozinho aqui nesta ilha! Como vim aqui parar? É uma longa história... Anos e anos de uma amarga forma de vida, de uma timidez incontrolada. Um verdadeiro bloqueio a toda e qualquer chance de relacionamento mais profundo para além daquela corriqueira escravidão a que chamamos amizade. Não me importo de ser escravo de alguém. Nunca me importei... Aliás, eu quero ser escravo de alguém! Quero uma escravidão chamada AMOR! Uma escravidão a dois! Só ela poderá fazer a ponte entre esta ilha para onde me desterrei e o mundo real! Preciso dela sob pena de me tornar um ser amorfo, completamente isolado. Preciso dela para manter o que resta da minha sanidade mental! Estou à beira da loucura e isso desespera-me ainda mais. QUERO SAIR DAQUI!