quarta-feira, março 24, 2004

Haverá amor sem amor?

Todos (assumo eu, generalizando um pouco as coisas) procuramos a nossa alma gémea. Aquela pessoa que seja ao mesmo tempo uma imagem de nós próprios e nos complete. Alguém capaz de nos conhecer de fio a pavio, que com um olhar nos leia os pensamentos e para quem não tenhamos quaisquer segredos. Que nos conheças as fraquezas e forças e mesmo assim goste de nós, por mais difícil que seja o nosso feitio. Uma pessoa com quem possamos partilhar todos os momentos de nossa vida. Com um bom bocado de sorte, talvez acabemos por descobrir essa pessoa que tornará o nosso mundo num verdadeiro país das maravilhas!
Mas as coisas não costumam ser assim tão lineares e o percurso torna-se uma corrida de obstáculos, funcionando a busca no sistema de tentativa e erro. E sabe-se que após cada um desses azares de percurso, a caminhada se torna mais penosa. Quando sabemos que encontrámos a pessoa certa? No meu primeiro post, por entre uma vastidão de pensamentos incoerentes e dolorosos, coloquei uma questão inversa: quando sabemos que amamos a pessoa errada?
Passado este tempo todo, ainda não encontrei uma resposta se não a seguinte: sabe-se e pronto!
No entanto, este meu post não tem por objectivo abordar nenhuma destas questões. Aquilo sobre que me proponho reflectir é se, conhecendo relativamente bem alguém e até admitindo haver uma certa empatia entre nós e a outra pessoa, será sensato tentar avançar para algo mais. Resumindo: poder-se-á namorar sem se estar avassaladoramente apaixonado, na esperança que o amor venha a surgir mais tarde?
Bem, fala-se bastante de algo chamado "amor à primeira vista". Não acredito que seja um mito. Acho que é possível estabelecermos logo uma empatia especial com alguém só através de um primeiro olhar. É um exagero chamarmos amor, mas fica melhor como expressão! Por outro lado temos as pessoas com quem convivemos e em quem ao início não reparamos, mas depois com o passar do tempo começamos a vê-las com outros olhos...
O primeiro caso até pode resultar numa relação a mais curto prazo. Esta vai decorrendo com a descoberta mútua das personalidades de ambos e com isso pode-se cimentar ou acabar num rotundo fracasso.
No segundo caso, o percurso é feito de forma diferente. As pessoas partem de uma base mais sólida. Grande parte do conhecimento já está feito, cumplicidades estabelecidas. No entanto, gera-se sempre uma maior confusão de sentimentos.
É como se no primeiro caso os namorados tentem descobrir como vir a ser amigos e no segundo ocorra o oposto.
Qual dos dois resultará melhor? Não sei ao certo... Espero poder responder a essa questão em breve.

"O amor é fodido"

"Nascemos todos com vontade de amar. Ser amado é secundário. Prejudica o amor que muitas vezes o antecede. Um amor não pode pertencer a duas pessoas, por muito que o queiramos. Cada um tem o amor que tem, fora dele. É esse afastamento que nos magoa, que nos põe doidos, sempre à procura do eco que não vem. Os que vêm são bem vindos, às vezes, mas não são os que queremos. Quando somos honestos, ou estamos apaixonados, é apenas um que se pretende. (...)
Viver é outra coisa. Amar e ser amado distrai-nos irremediavelmente. O amor apouca-se e perde-se quando se dá aos dias e às pessoas. Traduz-se e deixa de ser o que é. Só na solidão permanece.
Tenho o meu amor, como toda a gente, mas não o usei. Tenho também a minha história, mas não a contei."

in O Amor é Fodido
Miguel Esteves Cardoso

segunda-feira, março 22, 2004

A coisa das causas

Podia-vos pedir desculpa pela minha demorada ausência, mas também, um dos privilégios de ser autor de um blog é não ter que prestar contas a ninguém, excepto a mim mesmo...
Acho que uma das Leis de Murphy postula que se alguma coisa tem uma possibilidade, ainda que ínfima de correr mal, ela efectivamente vai correr mal. Quando uma coisa começa a correr mal, não há outras que lhe queiram ficar atrás! E se a causa de todo este tumulto é uma mulher, ainda as coisas se tornam mais difíceis.
É neste momento que uma mudança de prioridades se torna mais adequada. Geralmente o trabalho é o escape mais proveitoso porque ao dirigirmos para ele grande parte das nossas energias, conseguimos uma maior rentabilização. E se para além disso o trabalho for realizado num ambiente saudável, rodeado de colegas (femininas) simpáticas, bonitas e inteligentes, e de colegas (masculinos) espirituosos, companheiros e cúmplices, a coisa torna-se bem mais fácil.
Não se pode, mesmo com todas estas atenuantes, apagar um pedaço da nossa memória de um momento para o outro. Há que tentar criar novas memórias e fazê-las difundir para o local das outras, substituindo a sua maior parte. Isso é que se torna mais complicado.
A busca incessável dos homens (verdadeira caça aos gambuzinos) por uma mulher com quem partilhar a vida (ou pelo menos parte dela) torna-se neste momento uma descoberta constante. Uma busca também de si mesmo, de coisas há muito perdidas ou escondidas no fundo de gavetas da nossa personalidade. Finalmente abrimos os olhos e começamos, qual Vasco da Gama, a descobrir o mundo em nossa volta e que durante tanto tempo nos esteve vedado, não por qualquer proibição alheia, mas sim por uma auto-constrição que nos fez centrar numa só pessoa. Enfim, o gatinho fugidio torna-se um audaz tigre.
Qual o sentido de ficar parado à espera que o destino se encarregue de nos trazer alguém que possa ocupar esse lugar? Quanto mais tempo mantermos o lugar vago, mais ansiosa se torna a busca e mais riscos corremos de acabar com alguém apenas por medo de ficarmos sozinhos. A solução também não é entrarmos de olhos fechados numa nova relação apenas para “tapar o buraco”. É claro que o fornicanço ocasional é uma prática corrente, mas não acho que um relacionamento estável se possa basear apenas nisso (ou será que pode?). Há que saber procurar, indagar da disponibilidade, despertar o interesse e saber mostrar-nos como somos, sem subterfúgios. Há que ter a esperança de que pelo menos uma mulher nesta santa terrinha esteja interessada em nós! E que mais cedo ou mais tarde havemos de a encontrar!

Termino com uma frase que, englobada neste espírito de empatia, demostra uma profunda esperança no futuro: “Se ainda não encontraste a pessoa certa, continua a curtir com a errada.”!

segunda-feira, março 08, 2004

Adeus

Paramos no cimo da ponte. A vista é fenomenal! Ao longe o sol vai descendo por trás das montanhas, enorme e vermelho-vivo, cor de fogo. Mais abaixo vemos o rio, serpenteando e correndo rapidamente por entre as rochas. A paisagem inspira-me e sinto-me bem. Queria partilhar este momento contigo para o resto da vida. Mas tu não estás para aí virada. Não te queres prender a mim como eu pretendo. Gracejo que se não ficas comigo me atiro da ponte... Tu dizes para me deixar de parvoíces. Salto para o bordo da ponte, apenas seguro por uma mão. Começas a ficar aflita. Pedes que volte para o tabuleiro. Penso que finalmente viste que sem mim não consegues viver. Volto para trás. Também não saltava... Tenho medo de ficar longe de ti, de me afastar e depois não te conseguir recuperar, se é que alguma vez te tive! Abraço-me a ti. Tento-te beijar, mas viras a cara. Como estava enganado. Apenas querias que voltasse porque te dá jeito um escravo particular; alguém que por te amar tanto te faz as vontades todas e nem reclama quando o afastas. Apenas me pediste para voltar porque achas que não ficas bem de preto e por isso não te apetece vestir assim por teres de ir ao meu funeral! Estou farto! Farto desta vida de merda, de me sujeitar a tudo o que queres e de dizer que sim a todas as tuas barbaridades. De fingir que acho graça às tuas piadas, de suportar o teu mau feitio e a tua mania de que todos são injustos para contigo! Afasto-te. Chega! Tentas-me agarrar mas eu não te deixo. Adeus! Começo a correr para o bordo da ponte. Num movimento perfeito apoio o pé no limite e salto. Ao mesmo tempo que dou o último impulso olho para baixo. O rio corre lá em baixo, longe, com um estranho brilho vermelho do sol, vermelho de sangue. Toda a minha vida contigo descorre-me rapidamente pela cabeça. Todos os bons momentos que vivemos juntos. Amava-te tanto! Mas depois começo a ver no que a minha vida se estava a tornar. Tinha-me tornado em mais uma figura desse jogo que tanto adoras. Mais um boneco que controlavas à tua vontade. Isso estava-me a deixar à beira da loucura! Prefiro morrer a tornar-me num autómato! Quando já estou em queda livre, começo-me a sentir leve, mais leve que nunca. Será que morri e não me apercebi disso? Terei sofrido um ataque cardíaco? Não. Apenas tirei um grande peso da consciência. Sinto-me como um passarinho que fugiu da gaiola e agora voa livre pelos céus. Vejo-te em cima da ponte, num misto de raiva e desespero, sentindo que me perdeste e que provavelmente não me voltarás a recuperar. Será que alguma vez te apercebeste que o teu futuro estava ali, naquele pobre mortal que te tratava como uma deusa? Não creio. Haverá vezes em que sentirei falta dos teus carinhos, de estar contigo, de tudo o que partilhámos? Claro que sim, mas o tempo ajudar-me-à a esquecer, penso eu enquanto flutuo para longe, bem longe... Será que me voltarão a prender?