sexta-feira, abril 30, 2004

Black out

E de repente, tudo se resume a uma imensa escuridão.
Incapazes de ver um palmo à frente do nariz, cambaleamos, como que atingidos por uma qualquer bala disparada à queima roupa. Tudo o que nos rodeia torna-se agora um obstáculo à nossa progressão. Qualquer atitude que tentemos tomar é condicionada por este breu que nos envolve, que inconscientemente nos tolhe os movimentos e nos torna seus prisioneiros. Com o passar dos dias vamo-nos acomodando a esta escravidão, às nódoas negras resultantes dos embates com os objectos que nos barram o caminho. Afinal, como nada vemos, os hematomas não se notam... só se sentem. Doem muito, mas aguentamos. Com o acumular das pancadas, começamos a perder a esperança. Sentimo-nos fracos para lutar contra este interminável véu de obscuridade.
Até que um dia vemos um pequenino ponto de luz. Como uma estrela solitária num céu de breu. Esta pequenina luzinha vai-nos iluminando suavemente, tirando-nos lentamente desta letargia a que nos haviamos votado. Conforme vamos novamente despertando para a vida, esta luzinha vai aumentando de tamanho, como que recompensando-nos pela atenção que lhe damos. Torna-se o sol da nossa vida. Finalmente voltamos a ver o mundo, como quem acorda de um pesadelo num quarto cheio de luz. Habituando-nos de novo à claridade, percebemos aquilo que perdemos quando estivemos na escuridão total. Mas na vida não há que ficarmos a lamentar-nos pelos erros cometidos. Há que sarar as feridas e avançar, partir em direcção à fabulosa claridade que se nos apresenta. E apesar de “Onde mais intensa é a luz, maiores são as sombras”, "se deres as costas à luz, nada mais verás além do que tua própria sombra..."

terça-feira, abril 06, 2004

Just a perfect day

10 da manhã.
O sol já passa por entre os buraquinhos da persiana e bate-me suavemente na face. Acordo lentamente. Olho para o lado e continuas a dormir como um anjo. Cuidadosamente, levanto-me e saio do quarto. Tomo um duche. Torno ao quarto, onde ainda te encontras deitada, mas já acordaste. Os teus olhinhos brilhantes, ainda meio ensonados, seguem lentamente o meu movimento. Os teus longos cabelos dispersam-se pela almofada como se eles mesmos fossem uma almofada.
Abro a janela. A luz inunda o quarto. Tu levantas-te da cama, qual Vénus de Botticelli, e diriges-te para mim, abraçando-me. Beijas-me prolongadamente os lábios e depois segues para a casa de banho. Aproveitando esta oportunidade, vou para a cozinha e preparo um lauto pequeno-almoço para dois que cuidadosamente coloco no tabuleiro. Pego nele e levo-o para o quarto, pousando-o sobre a cama. Entras no quarto. Deleito-me com o teu ar de espanto quando te apercebes da surpresa. Sentas-te a meu lado. Por entre doces beijos, a comida vai desaparecendo do tabuleiro até nada mais restar.
Vestimos roupas leves e dirigimo-nos para a praia. De mãos dadas, passeamos demoradamente à beira-mar, apenas parando para observar as nuvens e as frágeis andorinhas-do-mar que povoam a costa neste ponto. A fraca brisa marinha faz ondular gentilmente os teus cabelos. Suavemente beijo-te no pescoço ao mesmo tempo que me abraças com força. Continuamos o passeio que nos leva de volta a casa conversando desprendidamente sobre a vida e o mundo que nos rodeia.
Vou tomar um duche. A certa altura tu juntas-te a mim, e fazemos amor. Saímos do duche e ternamente enxugamos o corpo um do outro. Vestimo-nos e saimos para almoçar. Paramos num pequeno restaurante junto à falesia, com uma vista fabulosa do mar. Após as entradas, ambos escolhemos peixe grelhado. Está divinal. Para sobremesa, partilhamos cumplicemente um gelado.
Partimos rumo à cidade. As ruas encontram-se semi-desertas, o que as torna muito apetecíveis para um passeio. Passeando calmamente, vamos vendo as montras na marginal. A certa altura decidimos ir ao cinema. Sem discussão, optamos os dois por uma comédia romântica. Após o filme dissertamos levemente algumas das cenas enquanto passamos por mais algumas lojas. O sol vai baixando lentamente no horizonte, ganhando uma espectacular tonalidade vermelha-viva, cor de fogo, fazendo toda a cidade parecer em chamas... No mar vêem-se barcos à vela navegando calmamente, aproveitando a última claridade do dia.
Aproxima-se a hora de jantar. Voltamos a casa. Peço-te para ires fazer algumas compras ao pequeno supermercado da esquina. Quando regressas, a casa encontra-se na penumbra. As velas colocadas sobre a mesa emitem uma luz tremelicante que te guia até à sala de jantar, onde se encontra uma mesa posta para dois. No teu lugar, encontra-se uma rosa vermelha com um bilhete. Enquanto lês o bilhete as lágrimas começam a correr suavemente pela tua face. Olhando para mim, sorris. Dizes que sim, que aceitas, e corres para mim, abraçando-me como se o amanhã não existisse mais. Lentamente seco-te as lágrimas, beijando-te em seguida a testa, depois os olhos brilhantes, ainda húmidos do choro, e finalmente os teus lábios.
Trago o jantar que cuidadosamente preparei para nós. O jantar parece passar rápido, apesar de demorar horas. Conversamos, rimos, contamos histórias da nossa vida, e inventamos outras para nosso divertimento. É assim em tudo que há de bom na vida. Parece passar muito depressa. Mas teremos o resto dos nossos dias para aproveitar o que sentimos um pelo outro.
Sentamo-nos no sofá a ouvir música. Tu aninhas-te junto a mim, como um gato buscando o calor. Abraçada a mim, adormeces, extenuada com todas as emoções que tiveste num só dia. Com extremo cuidado, pego em ti e levo-te para a cama. Deitando-me a teu lado, abraço-te e adormeço pouco depois.

8 da manhã
Acordo. O despertador toca insistentemente. Olho em redor e encontro-me no meu pequeno quartinho. Ora bolas, foi tudo um sonho. Bem, tenho que me levantar para ir trabalhar. Afinal, it’s gonna be just another perfect day!