sábado, julho 31, 2004

Caminhos cruzados

Nunca fui muito crente nessa coisa de horóscopos. Sempre achei que funcionam como os oráculos antigos ou as profecias do Michel de Nostredame, mais conhecido por Nostradamus. Cada um lê nelas aquilo que quer ler. No entanto, apesar de não acreditar, continuo a gostar sempre de ler o meu horóscopozinho nos jornais ou revistas, porque tal como o totoloto, às vezes até acabam por acertar.
Na linha dos horóscopos, encontra-se o tarot. Geralmente associado à Maya e afins tarólogas, o tarot consiste em cartas, cada uma com determinado significado, que conforme são escolhidas pelo sujeito em análise, servirão para dizer o seu futuro nos diversos campos da vida.
Ora no outro dia, durante um divertido exercício de visualizar o que cada um dos diferentes tipos de horóscopos determinava acerca das personalidades do grupo de amigos em que me encontrava inserido, havia também uma espécie de tarot virtual, em que se formulava uma questão, se escolhia 3 cartas e cada uma dessas cartas teria um determinado significado que teria que ser adaptado à pergunta em causa. Ora tal como seria de esperar, surgiram respostas completamente absurdas a perguntas extremamente directas. No entanto, por vezes ocorrem coisas que não são assim tão fáceis de explicar por parte de alguém cuja credulidade nesta matéria é diminuta.
Voltemos algumas horas atrás.
Diz-se que os sonhos são a forma do subconsciente libertar as tensões acumuladas durante o dia. Pois se é esse o objectivo, o meu falhou nessa noite (e na noite seguinte, mas isso será coisa a abordar mais à frente pois não entra no contexto). Para quem procura uma boa noite de sono, sonhar com pessoas e situações que só nos deixam mais abatidos não é o melhor. Na noite em questão tinha tido um sonho, que não sendo muito fora do comum, me havia deixado num estado de espírito não muito favorável. Tinha-me feito recordar coisas que teimo em não conseguir esquecer, e que por muito que me custe admitir, dificilmente o conseguirei.
Retornando ao tarot.
Decidi então experimentar colocar uma pergunta relativa algo e alguém interviniente nessa fantasia onírica. Para meu espanto, as 3 cartas que havia escolhido apontavam numa mesma direcção. E duas delas como que se referiam mais particularmente ao tipo de situação introduzido na questão que havia colocado. Agora, se a dúvida se instalou no meu espírito pelo facto de me encontrar mais susceptível à indução pelo que pudessem dizer as cartas, ou qualquer tipo de coincidência que tenha levado a que tenham saído justo aquelas 3 cartas, não posso conscientemente afirmá-lo. No entanto, esse facto apenas serviu para acentuar ainda mais a incerteza em que tenho vivido os últimos tempos.
Todos devemos arcar com as consequências dos nossos actos, por mais penosas e dolorosas que elas sejam. No entanto, ao tomar certo tipo de atitudes devemos sempre ponderar o que resultará delas, e mesmo achando que a curto prazo o seu resultado será melhor, a médio-longo prazo tal poderá não acontecer. E quando as coisas se começam a complicar, começamos a questionar se aquela decisão, uma de entre tantas que fazemos no dia-a-dia, cada qual orientando o rumo que seguimos, terá sido a mais correcta. Será mais simples sofrer-se de solidão só ou acompanhado?

domingo, julho 11, 2004

O campo (parte I)

Da varanda observo a vastidão que me rodeia. A norte, um espesso bosque de pinheiros-bravos desenha uma forte mancha verde na encosta da montanha. Local de refúgio para inúmeras espécies selvagens da região, é também paragem usual dos muitos turistas que visitam esta zona. A leste, corre o rio, com as suas águas límpidas e frescas, sempre repleto de peixes. Corre agora muito mais vagarosamente que há uns meses atrás, quando em plena época das chuvas galgou as margens. Vejo também a ponte que sobre ele construíram, marco histórico da época romana, fruto indispensável do progresso, já retratada em muitas histórias. Cinzenta escura, de granito, forte e resistente a qualquer intempérie, parece desafiar o rio cujas margens une. Para a direita, os pomares. Vastos campos de árvores de fruto. Pereiras, macieiras, cerejeiras, nogueiras, amendoeiras cobrem nesta altura do ano o chão com suas delicadas flores que o vento vai ajudando a espalhar. É primavera. Nos verdes campos em redor, há salpicos multicolores de flores silvestres. Ouço o alegre riso das crianças, vindo da parte traseira da casa, trazido pela suave brisa de Abril.
Decido descer. Fechando as janelas da varanda, olho para o meu acolhedor escritório. Os móveis em madeiras exóticas repletos de livros de todos os géneros, que fui recolhendo ao longo das minhas inúmeras viagens pelo estrangeiro e também alguns achados raros, feitos em alfarrabistas que não sabiam das preciosidades que guardavam, cobrem praticamente todo o espaço visível de parede. Num dos lados da divisão, a minha secretária, robusta mas ao mesmo tempo de ar delicado, sentado à qual passei incontáveis horas, a escrever numa velha máquina Remington do tempo da 2ª Guerra Mundial. Essa máquina encontra-se agora posta de parte, numa mesa mais pequena, como uma preciosa peça de museu. Sobre a secretária expõe-se agora, juntamente com as pilhas de papéis, uma parafernália de aparelhos de nova tecnologia: computador portátil, impressora, scanner, fax... exigências dos tempos que correm. No canto oposto, a minha confortável poltrona, onde me costumava acomodar para relaxar um pouco após horas e horas a fio de frenética escrita, e que serve para me sentar e contar as histórias ao meu miúdo mais novo antes de ele se ir deitar. Espalhados pelas estantes dispõem-se alguns dos mais fabulosos exemplares da colecção de conchas marinhas que recolhi quando me desloquei numa fantástica viagem pelos mares do sul. Espécimes raros, outros mais comuns, mas todos tratados com o mesmo esmero de quem limpa o mais frágil dos cristais.
Saindo para o corredor, passo em frente ao quarto. De decoração cuidada, tem uma cama de dossel com colunas em madeira trabalhada, uma extravagante mas requintada prenda de casamento enviada por um tio rico da Áustria, um enorme roupeiro em madeira, e uma cómoda. Na parede, de cor clara, encontram-se apenas um espelho antigo e dois ou três pequenos quadros. Os cortinados entreabertos pelo vento deixam ver uma varanda ainda mais ampla que a do escritório, com uma soberba vista sobre a área circundante à casa.
Desço calmamente a imponente escadaria cujos degraus se encontram cobertos por uma passadeira vermelha escura, que combina na perfeição com a decoração do átrio onde ela termina. ... Ele dá passagem à maioria das divisões inferiores da casa. Dirijo-me à cozinha. É uma ampla cozinha rústica, com uma grande chaminé empedrada e um velho fogão a lenha. Escondidas nos armários, para não quebrar o encanto rural deste espaço, encontram-se algumas das comodidades que existem em qualquer cozinha moderna como máquina de lavar louça e microondas. Espalhados pelas bancadas de granito polido espalham-se diversos tachos, vegetais, peças de caça, entre outros ingredientes das saborosas iguarias que a experimentada cozinheira se apressa a preparar. Sobre o lume crepitante do fogão, entre tachos e panelas mais pequenos, repousa uma grande panela de conteúdo borbulhante e aroma agradável, sinal de que a hora de almoço se aproxima.