quarta-feira, fevereiro 25, 2004

O casino

Anoitece. Vou novamente ao casino. Já me conhecem à entrada. Pudera! Passo cá todas as noites, como todos os outros viciados na vida. Mas este é um casino especial. Não tem slot machines nem mesas de poker. Não tem blackjack nem dados. Apenas tem uma roleta. Mas não é como as outras roletas. Esta tem biliões de números em que podemos apostar. E ganhar! Ou perder! Já ganhei algumas vezes, mas também já perdi muitas mais! Entremos na sala...
Todos se concentram em redor da roleta. Fico um pouco a observar os outros jogadores. A sua expressão de desespero ao perderem, os suspiros de alívio quando ganham. De repente, vejo uma figura que se destaca na multidão. Um homem. Bem vestido. Elegante. De boa aparência. Ele também me vê. Chama-me para junto da mesa. Vou ter com ele. Afinal, estou aqui para jogar...
Começo a jogar. Ele sugere-me um número. Decido apostar nesse número. A roleta gira, gira, gira... Lentamente vai parando. Parou. Saiu o meu número. Ganhei! Continuo a jogar. Ele sugere novo número. Aceito novamente a sugestão dele. A roleta gira de novo... Parou. Perdi! Paciência, não se pode ganhar sempre. Vou jogando com os números que ele me vai dizendo... Continuo a perder! Começo a ficar desesperado! Nada mais tenho para jogar! Já perdi tudo! Amigos, família, emprego, casa... Tudo isso apostei e perdi nesta roleta! Nada mais me resta! Nada? Não é bem assim... ainda tenho a minha alma... Posso sempre apostá-la! De que me serve a alma se nada mais tenho? Vou jogar a minha alma nesta maldita roleta! Vou para apostar num número quando uma mão feminina me trava. Olho para a mulher. É a mulher mais bela que seria possível imaginar. Ela pede-me para que a deixe escolher o número em que vou apostar. Hesito... Ela insiste. Olho-a nos olhos. Vou aceitar o pedido dela. Aposto. A roleta gira, gira, gira... cada volta dela demora uma eternidade, até que lentamente vai parando, muito lentamente, parecendo troçar do meu estado de nervos... Um suor gélido escorre-me pela testa... Finalmente ela para. Falta-me coragem para olhar para lá e ver o número. A medo espreito... Calhou o número em que apostei! Recuperei tudo o que tinha perdido! Suspiro de alívio. Limpo o suor. Quando me viro para agradecer à mulher, ela desapareceu! E o homem que inicialmente me acompanhara também... Olho em volta, mas não os vejo... Percorro a sala até que finalmente os descubro... Encontram-se os dois do outro lado da mesa, acompanhando um novo jogador. Pergunto a um dos apostadores se os conhece. Ele diz-me que sim. Que são os donos do casino. Pergunto-lhe como se chamam. Ele, chama-se Azar, e ela chama-se Sorte, diz-me o pobre coitado que acaba de perder mais uma vez. A Sorte e o Azar! Agora compreendo o que sucedeu... Estamos tantas vezes sujeitos aos desígnios do Azar que quando a Sorte nos aparece temos dificuldade em acreditar nela. Felizmente, desta vez a Sorte protegeu-me. Eles olham para mim e sorriem. Retribuo-lhes o sorriso e vou-me embora.
Vou para casa. Mas amanhã estarei de volta. Para ganhar ou perder. Porque este é um vício do qual não me consigo libertar. Um vício para o qual só há uma cura: a Morte!

Sem comentários: